quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Sozinho



São 15:27 da tarde de um sábado chuvoso de inverno e estou no escritório trabalhando até mais tarde. Como muitos, eu deveria ter ido embora as 14:00 mas tentei adiantar serviço. Erro meu...

Estou no 8 andar de um prédio velho no centro da cidade, nessa rua com escritórios apenas. A energia elétrica acabou (acontece com frequência em dias chuvosos) e telefone nenhum funciona. A pouca claridade que entra pela janela é a única coisa que me protege desses vultos, das sombras que tentam se aproximar de mim. O som que fazem arrepia cada fio de cabelo em meu corpo. Estou de frente para o corredor e posso ver o corpo do velho faxineiro retorcido no chão. Inclusive foi o som de ossos quebrando e carne rasgando que me chamou atenção, logo após o blackout, há alguns minutos atrás. E ele nem gritou. Nem gritou. As vezes as sombras penetram em seu corpo e o sacodem, parecem brincar com ele.

É engraçado. Eu nunca tive religião, nunca acreditei em fantasmas ou aparição. Mas já rezei para tudo quanto é deus ou entidade que ouvi falar.

Janelas blindadas, desnecessárias num prédio velho desses, me prendem aqui dentro! Mas não adiantaria gritar, lá embaixo não passa ninguém há horas. Trabalho ao lado da janela e conheço o movimento do lugar.

Eu não sei o que fazer. Estou tentando manter o controle, mas vai escurecer logo. Não sei o que fazer. Estou quase enfartando! Estou com medo!

O faxineiro se levanta. Se retorce e, ainda que muito quebrado e ensanguentado caminha em minha direção e pergunta: - “Qui foi, quiança? Puquê num vai pa casa discansá?” e cai próximo aos meus pés.

Esse foi meu limite. Parece que meu coração vai parar. Tudo fica confuso.

Sinto algo tocar meu ombro, me sacudir. Instintivamente eu grito.

Acordo num susto. Era só o faxineiro, parece que caí no sono no escritório.

Respiro aliviado. Olho no relógio, são 15:19. A luz pisca, como se precedesse um blackout. O faxineiro me pergunta: -“Qui foi, quiança? Puquê num vai pa casa discansá?”

Meus ossos congelam. A luz acaba...

domingo, 14 de junho de 2015

Creepypasta - Abandonados pela Disney

Talvez vocês não saibam, mas a Disney é a principal responsável por tornar uma pequena vila em uma vila fantasma que hoje é conhecida como “Ghost Town”. Deixe-me explicar, a Disney construiu o “Treasure Island Resort (Resort da Ilha do Tesouro)", que em 1999 teve o nome alterado para “Discovery Island (Ilha da Descoberta)" que esta localizada na Baía de Baker, nas Bahamas.

Discovery Island não era uma vila fantasma. Navios de cruzeiro da Disney realmente desembarcavam no resort e deixava os turistas para relaxarem no luxo.

Outro fato verdadeiro que você mesmo pode comprovar é que a Disney investiu 30 milhões neste paraíso tropical... Sim, trinta milhões de dólares.

Em seguida eles simplesmente abandonaram o local.

Eles culparam as águas rasas (rasas demais para que seus navios operassem em segurança), e sobrou até para os trabalhadores. A Disney disse que como eles eram das Bahamas, eles eram muito preguiçosos para trabalhar em um horário regular.

É aqui que a natureza factual da história acaba. Não era por causa da areia, e obviamente não era porque "os trabalhadores eram preguiçosos demais". Ambas eram desculpas convenientes.

Não, eu sinceramente duvido que essas razões eram legítimas. Porque eu simplesmente não acreditei na história oficial?

Por causa do Palácio de Mogli.

Perto da cidade litorânea de Emerald Isle na Carolina do Norte, a Disney começou a construção do "Palácio de Mogli" na década de 1990. O conceito era um resort com a temática da selva, com um enorme PALÁCIO, como você pode imaginar, no centro de tudo isso.

Se você não estiver familiarizado com o personagem Mogli, então você deve se lembrar melhor da história Mogli - O Menino Lobo. Se você não o viu antes em outro lugar, você talvez o conheça como um personagem dos desenhos da Disney de décadas atrás. Mogli é uma criança abandonada na selva, simultaneamente criado e também ameaçado por animais.

O Palácio de Mogli era um empreendimento polêmico desde o início. A Disney comprou uma tonelada de terra de alto custo para o projeto, e na verdade houve um escândalo envolvendo algumas das compras. O governo local declarou as casas das pessoas como "domínio eminente" e as vendeu para a Disney. Em determinado ponto, uma casa que tinha acabado de ser construída era simplesmente condenada com pouca ou nenhuma explicação.

A terra agarrada pelo governo era supostamente para o suposto projeto de uma rodovia nunca construída. Sabendo muito bem do que estava acontecendo, o povo passou a chamá-la de "Rodovia Mickey Mouse".

Então, tinha o conceito de arte. Um grupo de camisetas da Disney foram feitas para a reunião com os moradores da cidade. Eles vendiam a ideia, como se fosse ser lucrativo para todos. Quando eles mostraram o conceito... Aquele enorme palácio Indiano, cercado pela Selva e composta por homens e mulheres vestindo tangas e roupas tribais... Bem, basta dizer que eles não aceitaram a ideia.

Estamos falando de um enorme Palácio Indiano. Selva e tangas não relativamente no centro de uma área de luxo, mas sim em uma área xenofóbica do sul dos Estados Unidos. Foi uma escolha questionável a esse ponto da história.

Um membro da multidão tentou invadir o palco, mas foi impedido pelos seguranças assim que ele tentou quebrar uma das placas da frente. Disney pegou aquela comunidade e lhe quebrou os joelhos. As casas foram arrasadas, o terreno foi limpo, e não havia uma maldita coisa que qualquer um pudesse fazer sobre isso. TV e jornais locais eram contra o resort desde o início, mas alguma ligação insana entre as explorações de mídia da Disney, e os locais de interesse turístico entrou em jogo e as opiniões mudaram repentinamente.
De qualquer forma, Treasure Island, nas Bahamas. Disney investiu milhões no lugar e começou o trabalho. A mesma coisa aconteceu com o Palácio de Mogli.

A construção estava completa. Os visitantes realmente se hospedaram no resort. As comunidades do entorno foram inundadas com o tráfego e os aborrecimentos habituais associados com o fluxo de turistas perdidos e irados.

Então, tudo parou.

A Disney desligou o lugar e ninguém sabia, sequer, o que pensar. Mas eles estavam bastante felizes com isso. A perda da Disney foi bastante hilária e maravilhosa para um grande grupo pessoas que não queriam tudo aquilo em primeiro lugar.

Honestamente, eu não pensei nesse lugar, desde que soube que tinha fechado a décadas atrás. Eu vivo a quatro horas de Emerald Isle, então realmente só ouvi rumores, não presenciei nada disso.

Então eu li este artigo de alguém que havia explorado a Treasure Island e criado um blog inteiro direcionado exclusivamente para as coisas loucas que ele havia achado por lá. Coisas simplesmente... Deixadas para trás. Coisas quebradas, desfiguradas, provavelmente destruídas por funcionários descontentes que perderam seus empregos.

Todos os locais ao redor tinham uma mão na destruição daquele lugar. As pessoas simplesmente ficaram furiosas sobre o Treasure Island e fizeram isso com o Palácio de Mogli.

Além disso, há rumores de que a Disney havia lançado seu "estoque" de aquário nas águas locais quando fecharam... Incluindo tubarões.

Quem não gostaria de ter algumas oscilações em merchandising após isso?

Bem, o que estou querendo dizer, é que esse blog sobre o Treasure Island me fez pensar. Mesmo muitos anos tendo se passado, desde que o resort fechou, eu pensei que o Palácio de Mogli seria um lugar legal para uma "Exploração Urbana". Bater algumas fotos, escrever sobre a minha experiência, e provavelmente ver se eu encontrava alguma coisa para levar de recordação.

Eu não vou dizer que não demorei em realmente ir pra lá, porque, honestamente, demorei um ano desde que descobri o artigo sobre Emerald Isle.

Durante esse ano, fiz uma imensa pesquisa sobre o Palácio do Resort... ou pelo menos, tentei.
Naturalmente, nenhum site oficial da Disney ou fonte fazia qualquer menção sequer sobre o lugar.

Ainda mais estranho, no entanto, era que ninguém antes de mim havia pensado em "blogar" ou até mesmo postar uma foto sobre o lugar. Nenhuma TV local ou site de notícia tinham sequer uma palavra sobre o assunto. O que era de se esperar, uma vez que todos haviam se manifestado da maneira que a Disney queria. Eles não sairiam por aí falando sobre os próprios erros, não é mesmo?

Recentemente, eu descobri que empresas podem realmente pedir ao Google, por exemplo, para remover links dos resultados de busca... Basicamente, qualquer coisa. Olhando para trás, provavelmente, não era que ninguém nunca tinha falado sobre o resort, mas sim que suas palavras estavam apenas inacessíveis.

Então, no final das contas, eu mal conseguia encontrar o lugar. Tudo que eu tinha era um mapa velho pra caralho que eu recebi pelo correio nos anos 90. Era um item promocional enviado a pessoas que tinham ido recentemente a Disneylândia, e eu acho que já que eu estive lá nos anos 80, quando tudo isso ainda era "recente".

Eu realmente não pretendia depender muito dele. Ele acabou esquecido junto com meus livros e revistas em quadrinhos da minha infância. Só lembrei disso após meses de pesquisa, e mesmo assim, ainda levei algumas semanas para localizar a caixa onde havia guardado.

Mas eu FINALMENTE encontrei. Os moradores não ajudaram nem um pouco, como a maioria tinha se mudado para a praia nos últimos anos... ou os antigos moradores que apenas zombavam de mim e faziam gestos rudes, antes mesmo que eu pudesse dizer "onde eu encontro o Palácio do...".

Após um longo tempo, a viagem me levou longe. Plantas tropicais que se alastravam e cobriam a área repleta de espécies nativas de flores que na verdade sempre pertenciam a aquele lugar.

Fiquei admirado quando cheguei aos portões na frente do resort. Enormes portões monolíticos de madeira que de ambos os lados pareciam ter sido cortados de uma gigantesca Sequoia. O portão em si havia sido furado em vários lugares por pica-paus e comido na base por insetos escavadores.

Pendurado no portão havia uma placa de metal, algum rabisco aleatório com letras negras feitas a mão, que dizia "ABANDONADO PELA DISNEY". Claramente um pequeno protesto de algum funcionário.

Os portões estavam abertos o suficiente para que eu pudesse entrar, mas não dirigir, então eu peguei minha câmera digital e o mapa, cujo outro lado mostrava apenas o projeto do resort. Segui a pé.

O terreno interno do lugar era tão cheio quanto a porta de entrada. Palmeiras permaneciam tortas apoiadas nas pilhas de seus próprios cocos. Bananeiras também estavam lá em seus resíduos fedorentos. Havia essa espécie de confronto entre a ordem e o caos, graças as plantas cuidadosamente plantadas ali.

Tudo o que restara de quaisquer estruturas exteriores foram quebradas. A madeira apodreceu e haviam vários pedaços de um material queimado que não pude identificar. O que parecia ser um balcão de informações ou um bar ao livre, agora era apenas uma pilha de destroços desgastado pelo tempos.

A coisa mais interessante no lugar era uma estátua de Baloo, o urso de "Mogli - O Menino Lobo", que ficava em uma espécie de pátio de frente com edifício principal. Ele estava intacto em uma pose animada, dançando, olhando para o nada com um sorriso cheio de dentes e cocô de pássaros cobrindo todo o seu "pêlo" e raízes ao redor da plataforma onde ele estava.

Me aproximei do edifício principal - O PALÁCIO - apenas para encontra o exterior do prédio coberto por pichações onde a pintura ainda não tinha descascado. As portas da frente não estavam apenas abertas. Suas dobradiças foram quebradas e as portas haviam sido roubadas.

Acima das portas de entrada, ou a abertura onde um dia houvera portas, mais uma vez, alguém havia escrito: "ABANDONADO PELA DISNEY".

Eu gostaria de poder contar todas as coisas incríveis que vi dentro do Palácio. Estátuas esquecidas, caixas registradoras abandonadas, uma sociedade secreta de mendigos... Mas não.

O interior do prédio era tão gritante, tão vazio, que eu acho que na verdade alguém havia roubado a moldura das paredes. Tudo que era grande demais para ser roubado... Balcões, mesas, árvores gigantes de plástico, tudo isso descansava em meio a essa câmara vazia que ecoava lentamente cada passo que eu dava como uma metralhadora.

Eu verifiquei a planta do lugar e me dirigi aos locais que pareciam de alguma forma interessantes.

A cozinha era como você pode imaginar... Uma área de preparação de alimentos industriais com todos os aparelhos e espaço, nenhuma despesa poupada. Cada superfície de vidro fora quebrada, cada porta havia tido suas dobradiças roubadas, cada superfície metálica havia sido chutada e amassada. O lugar inteiro cheirava muito a mijo velho.

O enorme freezer, nem mesmo esfriava um pouco sequer. Agora, tinha filas e filas de espaço vazio nas prateleiras. Ganchos pendurados no teto, provavelmente para pendurar os pedaços de carne, e enquanto eu estava lá dentro, por um momento, percebi que eles estavam balançando.

Cada gancho balançava em uma direção aleatória, mas seus movimentos eram tão lentos e pequenos que era quase impossível de se ver. Achei que aquilo tinha sido causado por meus passos, então eu os fiz parar de balançar segurando-o com uma mão, e em seguida, soltei cuidadosamente, mas em poucos segundos eles começaram a balançar novamente.

Os banheiros estavam em grande parte no mesmo estado que o resto do lugar. Assim como em Treasure Island, alguém tinha metodicamente quebrado cada vaso sanitário de porcelana, repletos de fezes. Havia cerca de meia polegada de sujeira, fedendo a água estagnada no chão, então eu não fiquei lá por muito tempo.

O que era mais estranho é que nos banheiros e as pias (e os bidês no banheiro das mulheres, sim, eu fui lá), tudo pingava, vazava, ou apenas escorria livremente. Me pareceu que deviam ter fechado a água por muito tempo. Há muito tempo.

Havia muitos quartos no palácio, mas naturalmente não tive tempo de olhar todos eles. Os poucos que eu olhei estavam igualmente destruídos, e eu também não esperava encontrar nada lá. Pensei que tivesse alguma televisão ou um rádio em um dos quartos, porque tenho certeza que ouvi uma conversa tranquila saindo de um deles.

Apesar de ter sido como um sussurro, provavelmente era a minha própria respiração ecoando no silêncio, ou apenas outro caso do som da água fluindo brincando com a minha mente. A conversa era algo do tipo:

1: "Eu não acredito."

2: "(resposta curta e incompreensível)."

1: "Eu não sabia disso. Eu não sabia disso."

2: "Seu pai te disse."

1: "(resposta incompreensível, ou apenas murmúrio)."

Eu sei, eu sei , isso soa ridículo. Estou apenas dizendo o que eu passei por lá, por isso pensei ter visto algo correr naquela sala - ou pior, alguns mendigos que provavelmente haviam se escondido lá e estariam prontos pra me esfaquear ou algo do tipo.

Chegando as portas da frente do palácio de novo, percebi que não havia encontrado nada de interessante e tinha perdido toda a viagem.

Porém, enquanto olhava pra fora das portas, notei algo interessante no pátio que eu não havia notado antes. Algo que provavelmente me daria pelo menos UMA coisa para mostrar ao publico e que tivesse valido todo aquele esforço, mesmo que fosse apenas uma fotografia.

Havia uma estátua realista de uma cobra gigante, talvez dois metros e meio de comprimento, enrolada e "tomando sol" em um pedestal bem no centro do lugar. Era quase hora do sol começar a nascer, o que dava uma iluminação perfeita para uma fotografia. Aproximei-me da cobra e tirei uma foto. Então, eu fiquei na ponta dos pés e tirei outra. Eu me aproximei novamente para obter uma foto mais detalhada de seu rosto.

Lentamente, a cobra levantou a cabeça, olhou diretamente nos meus olhos, virou-se e deslizou fora do pedestal, passando sobre a grama e desaparecendo entre as árvores.

Todos os dois metros e meio da "estátua". Sua cabeça enorme desapareceu no meio da floresta antes mesmo de sua cauda deixar o local enquanto o sol aparecia.

Disney havia soltado todos os seus animais exóticos no terreno. Bem ali no meu mapa era onde ficava a "Reptile House (Casa dos Répteis)". Eu deveria ter imaginado. Tinha lido sobre os tubarões da Treasure Island, e eu deveria saber que eles haviam feito isso.

Fiquei chocado, apenas absolutamente estupefato. Minha boca deve ter ficado escancarada por um bom tempo antes que eu voltasse a si. Pisquei algumas vezes e me afastei de onde a cobra tinha saido. Voltei para o Palácio.

Apesar de ela não estar mais ali, eu ainda não queria correr nenhum risco e continuei o meu caminho para dentro do prédio.

Demorou algumas respirações profundas e tapas na minha própria cara para cair em si depois dessa. Procurei um lugar para me sentar, já que minhas pernas estavam um pouco parecidas com geleia neste momento. É claro que não havia lugar para se sentar, a menos que eu quisesse repousar sobre cacos de vidro e carpete mofado ou arrastar-me em cima de uma mesa de confiabilidade questionável.

Eu já havia visto algumas escadas perto do átrio do palácio e decidi me sentar lá até que eu me sentisse melhor.

A escadaria, diferente da frente do edifício não estava tão suja, exceto por um acúmulo surpreendente de poeira. Puxei uma placa de metal da parede, mais uma vez pintada com a frase "ABANDONADO PELA DISNEY" cujo eu já estava acostumado. Coloquei a placa nas escadas e me sentei sobre ela para me manter pelo menos um pouco limpo.

A escada levava para baixo, abaixo do nível do solo. Usando o meu flash da câmera como uma espécie de lanterna improvisada, eu podia ver que a escada terminava em uma porta de malha de metal com um cadeado. Havia uma placa na porta, e desta vez, era uma placa de verdade. Dizia: "SOMENTE MASCOTES! OBRIGADO!".

Isso me animou um pouco, por duas razões. Uma delas era que uma área de mascotes definitivamente teria algo interessante. E a segunda razão, era que o cadeado ainda estava no local. Ninguém havia ido lá embaixo. Nem os vândalos, nem os saqueadores, ninguém.

Este era o único lugar que eu poderia realmente "explorar" e, talvez, encontrar algo interessante para fotografar ou até mesmo, roubar. Eu havia chegado ao palácio concordando comigo mesmo que estava tudo bem qualquer coisa que eu quisesse pegar de lá, porque - hey - "abandonado", certo?

Não demorou muito para arrombar a fechadura. Bem, pra ser sincero, isso não é verdade. Não demorou muito para prender a placa de metal na parede que o cadeado estava preso. O tempo e a decadência tinham feito a maior parte do trabalho para mim, e eu era capaz de dobrar a placa de metal suficiente para puxar os parafusos para fora da parede - algo que ninguém tinha aparentemente pensado em fazer, ou tivesse sido capaz de fazer no momento.

A área dos mascotes foi uma mudança surpreendente e muito bem-vinda do resto do edifício que eu havia visto. Além disso, nada tinha sido roubado ou quebrado, mesmo que a idade e a exposição tivessem definitivamente envelhecido o local.

As mesas tinham blocos de anotações, canetas, relógios... Até mesmo um relógio de parede completamente cheio de cartões antigos. Haviam cadeiras espalhadas e até uma pequena sala de descanso com uma velha televisão cheia de estática e um enorme balcão repleto de comida e bebidas estragadas.

Era como um daqueles filmes pós-apocalípticos, onde tudo é deixado jeito que estava na hora da evacuação.

Enquanto eu caminhava pelos corredores que mais pareciam um labirinto, o local se tornava cada vez mais interessante. Conforme eu ia mais longe, via balcões e mesas derrubadas, papéis espalhados e quase se fundindo com o chão úmido, e um grande tapete lentamente apodrecia no chão.

Tudo parecia "mole". Tudo que era de madeira se desintegrava como mingau quando tocado até mesmo com a menor quantidade de força, e itens de vestuário pendurados em ganchos em uma das salas simplesmente caiam em fios úmidos, se eu tentasse retirá-los.

Uma coisa que me incomodou bastante foi que a luz estava se tornando mais escassa e pouco confiável conforme eu ia mais para as úmidas e sufocantes profundezas do local.

Eventualmente, cheguei a uma porta listrada, preta e amarela com as palavras "PERSONAGEM PREP 1" estampadas nela.

A porta não abriu de primeira. Percebi que aquele provavelmente era o lugar onde as fantasias eram mantidas, e eu definitivamente queria uma fotografia daquela bagunça fedorenta e bizarra. Por mais que tentasse, qualquer ângulo ou truque que eu tentava, a porta não queria ceder.

Isto é, até eu desistir e começar a me afastar. Foi quando houve um ligeiro som de estalo e a porta se abriu lentamente.

No interior, o quarto estava completamente escuro. Breu total. Eu usei o flash da câmera para procurar por algum interruptor de luz na parede, mas não havia nada.

Enquanto fazia minha pesquisa, fui jogado para fora do meu sentimento de emoção por um zumbido alto elétrico. Fileiras de luzes em cima de mim repente começaram a se acender.

Demorou um segundo para os meus olhos se ajustarem, e parecia que a luz ia ficando cada vez mais brilhante até que todas as lâmpadas explodissem... Mas assim que eu pensei que iria chegar a essa fase crítica, as luzes diminuíram um pouco e se estabilizaram.

O quarto era exatamente como eu havia imaginado: Vários uniformes da Disney pendurados nas paredes. Pareciam cadáveres desenhos animados pendurados por forcas invisíveis.

Havia uma prateleira inteira de tangas e roupas "nativas" em cabides.

O que eu achei estranho, e o que eu queria fotografar imediatamente, era uma fantasia de Mickey Mouse no centro da sala. Ao contrário das outras roupas, esta estava deitada de costas no centro do quarto como uma vítima de assassinato. O pelo sobre o traje estava podre e caindo aos poucos, e ele tinha alguns remendos.

O que era ainda mais estranho, porém, era a cor do traje. Era como se fosse uma fotografia negativa do Mickey Mouse. Preto onde deveria ser branco, e branco onde devia ser preto. Seu macacão que normalmente seria vermelho, era azul claro.

A visão foi desanimadora o suficiente para que eu realmente adiasse fotografar a coisa até o último instante.

Tirei uma foto dos trajes pendurados nas paredes. Ângulos de cima, de baixo, fotos de lado para mostrar todas as fantasias, os rostos dos desenhos animados pútridos, alguns com olhos de plástico faltando.

Então eu decidi encenar uma foto. Precisava apenas de um dos personagens enlameados no chão sujo.
Peguei a cabeça de um traje do Pato Donald e cuidadosamente o removi para que a coisa toda não desmoronasse em minhas mãos.

Enquanto olhava para o rosto de olhos arregalados, para aquela cabeça mofada, um barulho muito alto me fez pular de susto.

Olhei para os meus pés, e entre os meus sapatos tinha um crânio humano. Ele havia caído de fora da cabeça do Donald, e se quebrou em pedaços aos meus pés; apenas o rosto vazio e o maxilar inferior permaneceram, olhando para mim.

Larguei a cabeça do Donald imediatamente, como seria de esperar, e corri para a porta. Quando cheguei na porta, olhei de volta para crânio no chão.

Eu tinha que tirar uma foto daquilo, sabe? Eu TINHA.

Precisava de uma prova do que havia acontecido ali, especialmente se a Disney tentasse de alguma forma acobertar isso. Eu não tinha nenhuma dúvida em minha mente, desde o início, que mesmo se fosse apenas negligência grosseira, a Disney era responsável por isso.

Foi então que o Mickey Mouse, no meio da sala, começou a se levantar.

Primeiro ele se sentou, e em seguida, se apoiou sobre os pés. O traje do Mickey... Ou quem quer que estivesse dentro dele, ali no centro da sala, com seu rosto falso apenas se virando lentamente para mim, enquanto eu murmurava "Não..." de novo, e de novo, e de novo...

Com as mãos trêmulas, o coração batendo violentamente, e pernas que mais uma vez se transformaram em geleia, eu consegui levantar a câmera e apontá-la para a criatura que agora me avaliava calmamente.


A tela da câmera digital exibia apenas pixels espalhados na forma daquela coisa. Era uma silhueta perfeita do traje Mickey. À medida que a câmera se movia em minhas mãos trêmulas, os pixels se espalhavam por onde o Mickey se movia.

Em seguida, a câmera parou. Ficou em branco, silenciosa e... Quebrou.

Ergui os olhos mais uma vez para o traje do Mickey Mouse.

"Hey", ele disse em um tom abafado, mas perfeitamente executando a voz de rato, pervertidamente. "Quer ver minha cabeça sair?".

Ele começou a puxar a sua própria cabeça, movendo seus dedos das luvas desajeitadamente em torno de seu pescoço. Seus movimentos eram impacientes, semelhante a um homem ferido tentando se livrar das garras de um predador.

Enquanto ele colocava seus dedos em volta do pescoço... Muito sangue.

Muito sangue... Amarelo... Grosso, espesso, nojento.

Eu me virei quando ouvi um barulho horrível de carne e pano se rasgando. Só me preocupava em fugir. Acima da porta do lado de fora desta sala, eu vi a mensagem final cravada numa placa de metal por unhas ou ossos:

"ABANDONADO POR DEUS".

Eu nunca tirei aquelas fotos da câmera. Eu nunca escrevi sobre isso em lugar algum, até agora. Depois que fugi daquele lugar, para o bem da minha sanidade mental, se não a minha própria vida, eu entendi por que a Disney não queria que ninguém soubesse sobre aquele lugar.

Eles não queriam que ninguém como eu entrasse lá.

E eles definitivamente não queriam que nada parecido com aquilo saísse de lá.



sábado, 13 de junho de 2015

Penpal - Parte 6 - Friends

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No primeiro dia de aula do Jardim de Infância, minha mãe tinha decidido me levar de carro ao colégio. Estávamos os dois nervosos e ela quis ficar lá comigo até o momento de entrar na sala de aula. Demorei um pouco pra me arrumar de manha por causo do meu braço que ainda não havia melhorado. O gesso passava um pouco do meu cotovelo, ou seja, tinha que cobrir o braço todo com uma capa de látex quando tomava banho. A capa era feita pra ser bem justa ao redor da abertura pra poder impermeabilizar bem o gesso e impedir que estragasse. Já estava acostumado a vesti-la sozinho. Naquele dia, no entanto, talvez pelo meu nervosismo, não apertei a capa o suficiente e no meio do banho pude sentir a água invadindo o látex, molhando meus dedos. Pulei pra fora e arranquei o escudo de látex na hora, já sentindo que o gesso, antes rígido, estava molenga. 
Como não dá pra limpar direito a área entre o seu corpo e o gesso, a pele morta, que normalmente sumiria, fica parada lá. Quando é umedecida por, digamos, suor, acaba liberando um odor, que é, aparentemente, proporcional à quantidade de umidade lá dentro. Assim que comecei a me enxugar, fui atingido em cheio pelo cheiro forte de podridão. Como continuei a esfregar a toalha freneticamente, o gesso começou a se desintegrar. Estava ficando mais e mais estressado – tinha planejado esse primeiro dia de aula tanto quanto era possível pra uma criança . Sentei com a minha mãe pra escolher minha roupa na noite anterior. Passei muito tempo escolhendo uma mochila e estava louco pra mostrar a todo mundo a minha lancheira, com as Tartarugas Ninja na frente. 
Acabei tomando o hábito da minha mãe de chamar as outras crianças de amigos, mesmo sem conhecê-las. Mas quanto mais o meu gesso piorava, mas eu temia acabar sem poder chamá-las assim no fim do dia. 
Derrotado, chamei minha mãe.
Demorou meia hora pra tirar a água de dentro estragando o gesso o mínimo possível. Pra disfarçar o cheiro, minha mãe cortou lascas de sabonete e jogou-os dentro do gesso, e esfregou o resto do sabonete por fora pra tentar substituir o fedor por algo mais agradável. Quando cheguei ao colégio, os outros alunos já estavam terminando o segundo trabalho do dia e eu fui atirado em um dos grupos. Não explicaram direito o que era pra fazer e, em cinco minutos, tinha feito tanta coisa errada que o resto do grupo reclamou com a professora e perguntou o que eu fazia ali. Eu tinha levado uma canetinha, esperando conseguir umas assinaturas ou algum desenho no meu gesso, além do da minha mãe, e, na hora, me senti um idiota por ter considerado a possibilidade.
Tínhamos a sala de almoço só pra gente, mas como algumas mesas eram proibidas por serem longe, não precisei sentar sozinho. Estava cutucando as pontas estragadas do gesso, encucado, quando uma criança sentou na minha frente.

-Gostei da lancheira – ele disse.




Achei que estivesse fazendo piada comigo, e fiquei irritado. Na minha cabeça, a lancheira era a única coisa que valia a pena naquele dia. Não levantei os olhos, sentindo neles o ardor das lágrimas que queriam cair. Quando finalmente olhei, antes mesmo de conseguir mandá-lo me deixar em paz, vi uma coisa que me fez hesitar: ele tinha a mesma lancheira. 

-Gostei da sua também – Ri.

-Acho o Michelangelo o mais legal – Ele disse, imitando nunchakos com a mão.

Estava quase respondendo que o Rafael era meu favorito quando ele derrubou a caixinha de leite no colo. 
Tentei segurar a risada, já que não o conhecia ainda, mas a cara que fiz deve ter sido engraçada por ele riu primeiro. De repente, não me senti tão mal quanto ao gesso e pensei que aquele ali nem ia notar o cheiro mesmo. Aí, resolvi tentar a sorte.

-Aí, quer escrever no meu gesso?

Tirei a canetinha e ele perguntou como quebrei. Respondi que tinha caído da árvore mais alta do bairro; acho que impressionei. Assisti enquanto desenhava cuidadosamente seu nome, e perguntei qual era quando terminou. 

-Josh. – Disse.

Josh e eu almoçávamos juntos todos os dias e fazíamos trabalhos juntos sempre que dava. Ajudei ele a melhorar a caligrafia e ele levou a culpa quando escrevi “PEIDO” na parede, com um marcador permanente. Cheguei a conhecer outras pessoas, mas acho que sempre soube que Josh era o único amigo de verdade. 
Continuar uma amizade fora do colégio quando se tem cinco anos é bem mais difícil do que vocês lembram. No dia dos balões, nos divertimos tanto que perguntei se ele queria ir na minha casa no dia seguinte e brincar. Respondeu que sim e que traria alguns brinquedos; falei que podíamos sair pra explorar e, quem sabe, nadar no lago. Quando cheguei em casa, minha mãe disse que tudo bem ele ir. Minha alegria foi muita, até lembrar que não tinha meios de ligar pra ele. Passei o final de semana todo preocupado, achando que nossa amizade acabaria na segunda. 
Quando finalmente nos vimos, fiquei aliviado de saber que ele passou pelo mesmo problema e achou graça. No meio da semana, lembramos de escrever nossos telefones em casa e entregamos os papéis um pro outro na aula. Minha mãe falou com a mãe do Josh e ficou combinado que ela pegaria nós dois na escola na sexta. Fazíamos quase o mesmo toda semana. O fato de morarmos perto só facilitou as coisas pros nossos pais, que pareciam trabalhar o dia todo. 
Quando mamãe e eu nos mudamos pro outro lado da cidade, na primeira série, tive certeza que nossa amizade chegaria ao fim. Enquanto nos distanciávamos da casa em que vivêramos a vida toda, senti uma tristeza que não se aplicava só a um lugar – estava dando adeus pro meu melhor amigo. Mas Josh e eu, pra minha surpresa e alegria, continuamos próximos. 
Apesar de passarmos a maior parte do tempo separados e de nos vermos só aos finais de semana, continuamos muito parecidos um com o outro ao crescer. Nossas personalidades se encaixavam, nossos sensos de humor se complementavam e acabávamos gostando das mesmas coisas assim, sem combinar. Até mesmo soávamos parecidos o suficiente pro Josh chamar minha mãe fingindo ser eu. A taxa de sucesso era até bem impressionante. Minha mãe brincava dizendo que só sabia quem era quem por causa do cabelo – ele tinha o cabelo louro escuro e liso, enquanto o meu era castanho e cacheado, como ela. 
Alguém poderia pensar que o mais provável de separar dois jovens amigos estava fora do controle deles; mas acho que o início de nossa separação gradual foi minha insistência em ir até minha antiga casa procurar Boxes. No fim de semana seguinte a esse episódio, convidei Josh pra ir lá em casa, como sempre, pra manter a tradição, mas ele respondeu que não estava muito a fim. Começamos a nos ver cada vez menos a partir daí. De uma vez por semana, foi pra uma vez ao mês, e aí uma vez a cada dois meses.
Pro meu aniversário de doze anos, minha mãe deu uma festa. Não tinha feito tantos amigos assim desde que me mudei, então foi lá uma festa surpresa, já que ela não tinha ideia de quem chamar. Chamei umas poucas crianças com quem mantinha algum tipo de amizade e liguei pro Josh pra ver se ele queria vir. De primeira, disse que não sabia se podia ir, mas na véspera da festa me ligou de novo e disse que viria. Fiquei muito feliz, não o via há meses.
A festa até que foi legal. Minha maior preocupação era de Josh e os outros não se darem bem, mas até que todo mundo acabou se gostando. Josh estava surpreendentemente quieto. Disse que não trouxe presente e pediu desculpas, mas respondi que estava tudo bem. Tentei manter a conversa com ele várias vezes, mas sempre acabávamos sem assunto. Perguntei o que deu errado entre nós. Eu não entendi por que as coisas estavam tão ruins entre a gente – nunca agimos daquela maneira antes. Costumávamos andar juntos quase todos os fins de semana e nos falávamos no telefone dia sim dia não. Perguntei o que estava acontecendo. Olhou pra mim, depois de encarar os sapatos por um tempo, e simplesmente disse.

-Você foi embora.

Pouco depois disso, minha mãe me gritou da sala e disse que era hora de abrir os presentes. Forcei um sorriso e entrei na sala enquanto todos cantavam parabéns. Havia algumas caixinhas e muitos cartões, já que o resto da família morava em outros estados. A maioria eram lembrancinhas, mas lembro que o Brian me deu um brinquedo em forma de cobra que guardei por muitos anos. Minha mãe insistiu que eu lesse todos os cartões e agradecesse a cada pessoa, por que uns anos antes, no natal, destruí o papel de presente das caixas e a possibilidade de saber quem tinha mandado o quê ou que quantidade de dinheiro. Separamos os que vieram pelos correios e os que foram trazidos no dia, pros meus amigos não precisarem me ver abrindo coisas de gente que eles nem conheciam. A maioria dos cartões dos meus amigos vinha com um pouco de dinheiro, e dos familiares com bastante dinheiro. 
Um dos envelopes não estava endereçado a mim, mas, por estar na pilha, acabei abrindo. O cartão tinha uma estampa de flores bem genérica na frente e parecia ter sido recebido por alguém que agora o repassava pra mim. Na verdade, até gostei da ideia por que, pra mim, cartões sempre foram algo meio bobo. Tomei cuidado pro dinheiro que achei que estivesse dentro não cair, mas a única coisa lá era a mensagem que já vem impressa no próprio cartão.

“Eu te amo.”

Quem quer que tenha me dado o cartão não escreveu nada nele, mas circulou a mensagem algumas vezes com uma caneta. 
Ri um pouco e falei:

-Nossa, mãe, brigado por esse cartão tão legal.

Ela me encarou confusa e analisou o cartão. Me disse que não era dela e o passava de mão em mão entre meus amigos, procurando quem tivesse armado a brincadeira. Ninguém se manifestou, então ela disse:

-Não se preocupa, amorzinho, agora você sabe que duas pessoas te amam.

Ela prosseguiu o momento com um longo e doloroso beijo na minha testa, que transformou a graça que todos acharam em histeria pura. Todos riam muito, podia ter sido qualquer um deles, mas o Mike parecia rir mais. Pra participar da brincadeira e não ser só o alvo dela, disse a ele que só por que tinha me dado o cartão não significava que ia dar um beijinho nele também. Rimos mais e, ao olhar pro Josh, vi que finalmente sorria. 

-Acho que esse foi o melhor presente, mas tem mais alguns ainda pra abrir. 

Minha mãe me deu outro embrulho. Ainda sentia um resto de riso enquanto rasgava o papel de presente. Quando vi o que era, não precisei segurar o riso mais. Meu sorriso se desfez enquanto olhava pras minhas mãos.
Era um par de walkie-talkies.

-Vai, mostra pra todo mundo!

Mostrei, e todos pareceram aprovar, mas quando prestei atenção no Josh vi que estava pálido. Nos encaramos por um momento, até ele se virar e seguir de volta pra cozinha. Vi enquanto discava um número no telefone fixo. Minha mãe disse que sabia que, desde a vez que quebramos os walkie talkies antigos, não nos falávamos mais como antes. Pensou que iríamos gostar do presente. Me senti extremamente grato pela consideração dela, mas logo fui atingido pelas lembranças de um dia que eu tentava realmente esquecer. 
Todo mundo estava atacando o bolo quando perguntei ao Josh pra quem ele havia ligado. Disse que não se sentia bem e pedira ao pai pra buscá-lo. Compreendi porque queria ir embora e respondi que gostaria que nos víssemos mais. Estendi um dos walkie talkie pra ele, mas ele ergueu as mãos, negando. Derrotado, disse:

-Tudo bem então, valeu por ter vindo. Espero poder te ver antes do meu próximo aniversário.

-Desculpa... Eu vou tentar ligar mais vezes. Juro. – respondeu.

A conversa morreu na porta da minha casa, enquanto esperávamos o pai dele. Olhei pro seu rosto. Parecia sentir remorso genuíno por não tentar ligar mais vezes. De repente, abriu um largo sorriso, dizendo que sabia o que me dar de presente – ia demorar, mas eu iria adorar. Falei que não precisava, nem fazia tanta questão, mas ele insistiu. Pareceu muito mais feliz e pediu desculpas por ter sido um estraga prazeres durante a tarde. Disse que andava cansado – não dormia direito. Perguntei o porquê disso, mas o pai dele já estava buzinando na calçada. Ele foi embora mas, no meio do caminho, enquanto acenava, respondeu à minha pergunta:

-Acho que to sonâmbulo. 

Foi a última vez que vi meu amigo. Uns meses depois, ele desapareceu. Nas últimas semanas, minha relação com a minha mãe tem ficado meio tensa por causa de tantas perguntas que faço sobre minha infância. Normalmente, a gente nunca sabe o limite de alguma coisa até que ela quebre. Depois dessa última conversa com a minha mãe, imagino que vamos passar o resto da vida tentando refazer nossa relação. Ela se esforçou tanto pra me manter seguro, física e psicologicamente, que as paredes que ergueu pra isso acabaram mexendo com a cabeça dela. Enquanto a verdade jorrava nessa conversa, conseguia ouvir uma tremulação em sua voz que, acho, deixava bem clara o quanto a sua vida tinha sido destruída. Não acredito que conseguiremos conversar direito de novo algum dia e, ainda que haja muito que eu não saiba, já entendo bastante. 
Depois do desaparecimento do Josh, os pais dele fizeram de tudo pra encontrá-lo. Desde o primeiro dia, a polícia sugeriu que contatassem todos os pais de seus amigos pra ver se alguém sabia seu paradeiro. Fizeram isso, mas, claro, ninguém tinha ideia de onde ele teria ido. A polícia não conseguiu nenhuma pista além de uma mulher desesperada que ligava toda hora implorando que comparassem o caso com um outro de perseguição que fora aberto seis anos antes. 
Se a cabeça da mãe do Josh já não estava boa quando ele sumiu, ela pirou de vez com a morte da Verônica. Ela podia ter visto muita gente morrendo no hospital, mas nada é suficiente pra aplacar o choque de perder um filho. Visitava a filha todo dia quando ela estava num hospital diferente de onde ela trabalhava: uma vez antes do expediente e uma depois. No dia da morte dela, sua mãe tinha saído tarde do trabalho e, ao chegar lá, Verônica já tinha ido embora. Isso foi a gota d’água e, nos dias que seguiram, ela ficou mais e mais instável. Saía por aí gritando pelos filhos, chamando eles pra casa. O marido dela foi procurá-la algumas vezes num bairro aleatório no meio da madrugada – seminua e gritando, desesperada, pelos dois. 
Por causa disso, o pai do Josh não pôde mais trabalhar fora e começou a procurar empregos em obras, que pagavam menos mas permitiam que ficasse perto de casa. Quando começaram a obra no meu antigo bairro, uns três meses depois que Verônica morreu, o pai dela se inscreveu em toda oferta de emprego que apareceu e conseguiu alguns bicos. Tinha formação suficiente pra chefiar a obra, mas trabalhava como pedreiro, zelador e o que mais aparecesse. Até mesmo mesmo serviços menores em casas, como cortar a grama e consertar portões – qualquer coisa pra poder ficar perto da esposa. Começaram então a cuidar da área perto do lago pra transformar o lugar num espaço habitável. O pai do Josh ficou com a tarefa de nivelar o terreno recém desmatado, o que garantia pelo menos algumas semanas de sustento. No terceiro dia, achou um lugar que não podia ser nivelado. Mesmo passando o maquinário, o ponto continuava mais baixo que o resto. Frustrado, desceu do trator pra estudar a área. Ele se sentiu tentado a simplesmente pôr mais terra no buraco, mas sabia que seria uma solução temporária. Trabalhou em obras tempo o suficiente pra saber que só enfraqueceria a fundação das casas, e que raízes podres de árvores grandes decompunham e formavam terra mole. Pesou as opções que tinha e decidiu fazer um buraco com uma pá pra resolver um problema que talvez não exigiria trazer uma outra máquina. Enquanto minha mãe descrevia a cena, sabia que já tinha estado lá, antes do solo ser remexido e depois. 
Senti um aperto no peito. 
Ele cavou um buraco de uns 30 centímetros até a pá bater em algo. Socou a terra com a pá algumas vezes, esperando moer uma possível raiz podre e desfazer o emaranhado de raízes quando a pá ficou presa. Confuso, alargou o buraco. Depois de uma meia hora de escavação, se viu parado em cima de uma caixa coberta por um lençol marrom, de mais ou menos dois metros por cinquenta centímetros. Nossa cabeça costuma se esforçar pra evitar o pior – se acreditamos o suficiente, ela irá rejeitar terminantemente toda a evidência possível pra manter intacta nossa fé no mundo. 
Até aquele momento, apesar de todo o resto indicar o contrário – apesar de alguma parte e sufocada do homem entender que essa crença só servia pra mantê-lo vivo – ele acreditava, sabia, que o filho estava vivo. 
O telefone tocou às seis da noite. Minha mãe sabia quem era, mas não entendia a mensagem. Mas o que ela entendeu fez com que saísse correndo na hora. 

-AQUI EMBAIXO, AGORA, MEU FILHO, POR FAVOR... MEU DEUS...

Quando ela chegou lá, encontrou o pai do Josh sentado imóvel virado de costas pro buraco. Segura a pá tão firme que ela podia quebrar a qualquer momento, e encarava o céu com olhos tão frios como os de um tubarão. Não respondia a nada do que ela dizia e só reagiu quando ela tentou tirar a pá de suas mãos. 
Ele abaixou os olhos lentamente e disse que não entendia. Repetiu a frase como se fossem as únicas palavras das quais lembrava. Minha mãe ainda ouviu-as sendo murmuradas várias vezes enquanto ela se aproximava do buraco. 
Ela me disse que devia ter se preparado antes de encarar o buraco. Respondi que sabia o que vinha a seguir e que não precisava falar mais nada. Olhei pra ela e seu olhar era de tanta agonia que meu estômago se remexeu. Percebi que ela sabia disso por mais de dez anos e esperava jamais ter que me contar. Como resultado, jamais conseguiria achar palavras pra descrever o que viu naquela noite e, sentado a sua frente, eu era confrontado pela mesma dificuldade de articulação.
Josh estava morto. Seu rosto estava fundo, carregando uma expressão de tristeza e falta de esperança. O cheiro agressivo de podridão subia da cripta e mamãe teve de cobrir o nariz e a boca pra não vomitar. Sua pele estava ressecada, quase reptiliana, e havia um rastro de sangue seco que saíra de seu rosto e manchara a madeira ao redor. Seus olhos semi-abertos encaravam o vazio. Ela disse que não aparentava estar morto há muito tempo e consequentemente o tempo ainda não fizera o favor de apagar a dor e o terror em suas feições. Disse que o corpo parecia encará-la, a boca aberta num último grito pela ajuda que nunca chegou. O resto, no entanto, não estava visível. 
Tinha alguém por cima.
Era grande e estava deitado por cima dele. Minha mãe disse que demorou pra poder interpretar o que seus olhos viam e o que a posição dos corpos significava. 
Ele estivera agarrando Josh. 
As pernas dos dois estavam frígidas, congeladas pela morte, mas entrelaçadas como se fossem raízes que crescem umas sobre as outras. Um braço passado por debaixo do pescoço do Josh pra que seus corpos ficassem mais próximos. 
O sol surgia por detrás das árvores e fez com que alguma coisa presa na camisa do Josh reluzisse. Minha mãe se ajoelhou e cobriu o nariz com sua camisa pra sobreviver ao cheiro. Quando viu o que tinha captado a luz do sol, suas pernas fraquejaram e ela quase caiu no buraco.
Ela uma foto. Minha. Quando criança. 
Ela se jogou pra trás, ofegante e trêmula, e bateu no pai do Josh, que ainda estava sentado, longe de tudo. Ela compreendeu por que ele havia ligado pra nossa casa, mas ainda não achava forças pra contar o que escondeu de todos por tantos anos. Se apoiou nas costas dele e ele falou.

-Não posso contrar pra ela... pra minha mulher... nosso caçula... – Ele cortou as próprias palavras, pressionando o rosto nas mãos sujas. – Ela não aguenta...
Um tempo depois, ele levantou e caminhou trêmulo em direção à cova. Com um último soluço, entrou no caixão. Era um homem grande, mas não tão grande quanto aquele que deitava junto a seu filho. Pegou as costas de sua camisa e puxou com força – tentaria atirar aquele cara pra fora da cova com um só puxão. Mas o tecido arrebentou e o corpo caiu de novo. 
-FILHO DA PUTA!

Pegou-o pelos ombros e empurrou o corpo pra longe do filho. Depois, olhou para aquele homem e tomou impulso.

-Não... Deus, não.... por favor... MEU DEUS, NÃO.

Depositou toda a força num movimento trêmulo. Puxou e levantou o cadáver e atirou-o pelo chão fora da cova. Ele e minha mãe escutaram o barulho de vidro rolando na mata. Era uma garrafa.
Ele entregou-a pra minha mãe. 

Era éter. 

-Ah, Josh… - Chorava – Meu filho, meu bebê. Por que tanto sangue? O que foi que ele fez contigo?
Assim que minha mãe encarou o homem, que agora deitava virado pra cima, percebeu que aquela era a pessoa que assombrou nossas vidas por mais de uma década. Imaginara-o tantas vezes, sempre amedrontador e maligno, e os gritos de dor do pai de Josh só confirmaram suas suspeitas. Vendo seu rosto, no entanto, pensou que não era a face que imaginara. Era só um homem. 
Sua expressão, congelada, parecia até serena. Os cantos dos lábios estavam levemente virados. Sorrindo. Não o sorriso que se espera de um maníaco num filme de terror; nem de um demônio. Era um sorriso de satisfação. De alegria.
De amor. 
Ao correr os olhos pelo resto do corpo, viu uma ferida enorme em seu pescoço, de onde a pele tinha sido arrancada. Sentiu alívio ao ver que o sangue não era do Josh. Talvez ele tivesse sofrido menos. Mas esse alívio durou pouco. Ela cobriu a boca com uma das mãos e sussurrou, com medo de lembrar ao mundo a verdade.
-Estavam... vivos...
Josh deve ter mordido o pescoço dele pra tentar se livrar. Apesar do cara ter morrido, Josh não conseguiria sair. Comecei a chorar, pensando em quanto tempo ele aguentou até morrer finalmente. 
Procurou nos bolsos do homem algum tipo de identidade, mas só achou um pedaço de papel. Nele, havia um desenho de um adulto de mãos dadas a uma criança e, do lado do garotinho, iniciais.
Minhas iniciais. 
Minha esperança é de que ela não lembre essa parte da história direito, mas jamais saberei. Minha mãe escondeu o pedaço de papel em seu bolso quando viu o pai de Josh arrastando o filho pra fora da tumba. Ele murmurava que o cabelo do filho tinha sido tingido. Ela reparou nisso também – estava castanho. Suas roupas também estavam estranhas, pequenas demais pra ele. Depois de deitar o filho no chão, o pai começou a apertar os bolsos do filho, procurando alguma pista. Ouviu um barulho. Com cuidado, tirou uma folha dobrada de um dos bolsos. Deu pra minha mãe, mas ela não sabia o que era. Perguntei o que tinha no papel.
Ela me disse que era um mapa. Meu coração se despedaçou. Ele estivera terminando nosso mapa – meu presente de aniversário. Me vi desejando do fundo do coração que ele não tivesse sido raptado enquanto tentava completar o desenho – como se isso importasse agora. 
Ela ouviu o pai de Josh gemer e viu-o empurrando o corpo do homem pra dentro da terra de novo. Ao caminhar de volta ao trator que o levara até lá, pôs a mão num tubo de gasolina e parou, de costas pra minha mãe.
-Vai embora. 
-Me perdoa...
-Não foi culpa sua. Foi minha.
-Não pensa assim, não teve na...
-Mais ou menos um mês atrás, um cara chegou pra mim enquanto eu limpava um terreno de obra. Me perguntou se eu precisava de um dinheiro a mais. Como minha mulher não trabalha mais, aceitei. Uns moleques tinham cavado buracos no terreno dele e me ofereceu cem dólares pra consertar. Disse que iria tirar umas fotos pra seguradora primeiro, pra eu passar lá depois das cinco no dia seguinte.
Pensei que ele era um otário por que sabia que alguém iria vir limpar o terreno de qualquer jeito pras obras, mas precisava mesmo de dinheiro e concordei. Ele nem parecia ter cem dólares, mas pôs a grana na minha mão, e eu fiz. Fiquei tão exausto que nem pensei no que estava cobrindo... Não até agora. Tirei o mesmo cara de cima do meu filho. – Ele interrompeu minha mãe, sem esboçar nenhuma emoção 
Ele apontou pra cova e começou a perder o controle. 
-Me deu cem dólares pra enterrar ele com meu filho...
Externar aquelas palavras forçava-o a aceitar o que aconteceu. Caiu de joelhos no chão, chorando. Minha mãe não pôde pensar em mais nada pra dizer e ficou lá, em silêncio, por o que pareceu uma vida toda. Finalmente, tomou coragem e perguntou o que faria com o corpo do filho. 
-Ele não vai ficar aqui, com esse monstro...
Ao ir embora e entrar no carro, ela viu uma fumaça subindo ao céu, preto no âmbar da manhã. Rezou, contra todas as expectativas, pra que os pais de Josh ficassem bem.
Saí da casa da minha mãe sem dizer mais nada. Falei que a amava e que iríamos nos falar logo, mas não sei o que logo significa pra nós. Entrei no carro e parti. 
Entendo agora por que esses eventos na minha infÂncia pararam há alguns anos. Adulto, vejo as conexões que não foram vistas por uma criança que lembra da infância como um feixe de imagens ao invés de uma sequência. Pensei no Josh. Amava-o. Ainda amo. Sinto ainda mais saudade agora que sei que jamais nos veremos. Pensei em seus pais. Em tudo que perderam e na velocidade que perderam. Não sabem da minha relação com tudo o que aconteceu, mas jamais terei coragem de olhá-los nos olhos. Pensei na Verônica. Só conheci-a na adolescência, mas naquele pouco tempo acho que realmente a amei também. Pensei em minha mãe. Tinha tentado com todas as forças me proteger. Era alguém mais forte do que eu jamais serei. Tento não pensar naquele cara e no que ele fez ao Josh por mais de dois anos. 
Na maior parte do tempo penso no Josh. Às vezes desejo que ele nunca tivesse sentado na minha frente no Jardim de Infância. Que eu nunca tivesse conhecido um amigo de verdade. Às vezes gosto de pensar que ele foi pra um lugar melhor, mas é só um sonho. Sei que o mundo é um lugar cruel e que as pessoas só pioram. Não haveria justiça pro meu amigo, nenhuma chance de luta, nem vingança. Já passou pra quase todo mundo, mas eu ainda lembrarei. 
Sinto sua falta, Josh. Sinto muito por ter me escolhido e sempre lembrarei com carinho da nossa amizade.
Fomos exploradores.
Vivemos aventuras.
Éramos amigos.